Mabe 100 Anos segue até junho na André

A Galeria de Arte André prorroga até 8 de junho Mabe 100 Anos – Identidade e Lirismo, individual dedicada ao mestre nipo-brasileiro, que conta com cerca de 30 obras entre pinturas, desenhos e tapeçarias, além de material de documentação sobre o artista. O texto crítico é de Ana Avelar, professora da UnB (Universidade de Brasília) e uma das grandes especialistas de abstracionismo no país.

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Yoshino Mabe, em abertura de Mabe 100 Anos - Identidade e Lirismo, na André

 

Na galeria, a primeira individual do artista nascido em Uto (hoje parte de Shiranui), Japão, aconteceu em 1977, ainda no estabelecimento localizado na alameda Jaú. A mostra tinha uma divulgação precursora, já que foi feito um pequeno folder, com a reprodução das obras apresentadas. Naquela época, não era comum fazer publicações, e a galeria começara tal prática já no ano anterior, não abandonando até hoje tal documentação. A rara edição é exibida em Mabe 100 Anos – Identidade e Lirismo.

O prestígio do pintor remonta quase 20 anos antes, quando, na 5ª Bienal de São Paulo (1959), ele recebera o Prêmio de Melhor Pintor Nacional, recebendo a láurea das mãos do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976). No mesmo ano, ganha bolsa e passa um período em Paris. Expõe em diversos países, como México, EUA, Itália, Reino Unido e Japão. Em 1975, já um célebre artista, ganha retrospectiva no Masp (Museu de Arte de São Paulo).

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Tapeçaria e telas de Manabu Mabe em espaço expositivo da André na mostra Mabe 100 Anos - Identidade e Lirismo

 

É relevante contar um pouco da acidentada história que permitiu a atuação do artista na história da arte brasileira, até por suas próprias palavras. “Ao aproximar-me de um fruto de mamão amarelo e maduro, corre um lagarto, é a lembrança que tenho dos idos de 1934, quando aos 10 anos de idade trazido por meus pais, imigrei no interior de Birigui, distante 600 km da cidade de São Paulo”, relata ele em depoimento presente em livro da Raízes, datado de 1986 (mas a entrevista é de 1969). “Desde criança sempre gostei de desenhar e trouxe para o Brasil os crayons que usava na escola primária do Japão.”

A distância de centros desenvolvidos e os altos valores dos materiais eram percalços, mas não fizeram com que o jovem desistisse das artes. Havia resistência familiar, segundo o próprio Mabe. “Em 1949, [Soichi Mabe, seu pai] disse-me ele à cabeceira do seu leito de morte: ‘Faça da pintura um passatempo. Continue a administrar o cafezal. A vida não é fácil’”, lembra ele.

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Tela de 1975 e tapeçaria dos anos 1970 em Mabe 100 Anos - Identidade e Lirismo, na André

 

No ano de 1957, após o conflito entre a gestão de uma fazenda de café e a continuidade artística, Mabe vende o cafezal e se muda para SP. No entanto, o início revelou-se difícil. “A vida de pintor profissional pela qual tanto ansiara era mais penosa do que havia imaginado e passei a pintar gravatas e placas”, diz ele.

A virada em 1959, com os prêmios de âmbito nacional, fez com que a trajetória do pintor desse uma guinada. “Minha vida mudou. Contratos com os ‘marchands des arts´, incursões pelos Estados Unidos e Europa. Era preciso abrir bem os olhos”, confessa o artista no mesmo depoimento.

Em 1979, ocorre um dos episódios mais estranhos em sua longa trajetória. Em 30 de janeiro daquele ano, o vôo Varig 967, que saíra de Narita (Japão) para escala em Los Angeles (EUA) e destino final o Galeão, no Rio de Janeiro, desaparece no Oceano Pacífico. O cargueiro levava 61 telas do nipo-brasileiro, incluindo trabalhos premiados em São Paulo e Veneza, como O profeta e Canção melancólica. Nunca foram localizados destroços nem vestígios do avião e as razões para o desaparecimento continuam um mistério.

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Telas presentes em Mabe 100 Anos - Identidade e Lirismo, na André.

 

Nas décadas seguintes, continua a ser um nome de prestígio na arte nacional. Trabalha em outros suportes e áreas, como a tapeçaria e a moda. Marcando tal êxito, ganha em 1995 uma grande mostra na André - 50 Anos de Pintura. Dois anos depois, morre em SP, em decorrência de um transplante de rim feito em 1996.

Para Jayme Maurício (1926-1997), um dos principais críticos de arte brasileiros, a produção de Mabe é um farol não apenas dentro da cepa da pintura nipo-brasileira, mas sim de toda o corpus de obra nacional. “Desenvolvia-se a nossos olhos um fenômeno fascinante, com Mabe sempre num primeiro plano, ao lado de outros artistas também de excepcional envergadura. Concretizava-se um sincretismo, não apenas entre o poderoso, refinado e milenar lastro cultural japonês e a efervescência, relativamente nova, por isso mesmo algo selvagem”, escreve o teórico em 1986. “Mas cujo êxito maior nos Estados Unidos, então de perto tocados pelos artistas japoneses, fazia pela primeira vez transitar de Paris para New York o centro e o foco da produção artística mundial.”

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