Djanira, sofisticada e popular

A produção de Djanira da Motta e Silva (1914-1979) frequentemente foi lida na história da arte brasileira ligada à faceta mais ‘espontânea’, ‘primitiva’ e ‘naïf’, entre outras alcunhas. Felizmente, em revisões recentes empreendidas por sérias instituições, o papel da artista nascida no interior do Estado de São Paulo tem sido redimensionado e estudado com mais apuro. A iniciativa mais próxima que logrou êxito nesse sentido foi Djanira – A Memória de Seu Povo, realizada pelo Masp (Museu de Arte de São Paulo), com curadoria de Isabella Rjeille e Rodrigo Moura, e que itinerou para a Casa Roberto Marinho, no Rio de Janeiro, em 2019.

 

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Capa do livro Djanira – A Memória de Seu Povo (MASP)

 

Nas dezenas de obras exibidas, é notável atestar a variedade de temáticas, a verticalidade das miradas sobre aspectos pouco evidenciados ou parcamente analisados na arte nacional e a percepção de como era original o seu tratamento, singularidade essa ainda mais explícita se comparada ao corpus de obra de outros expoentes do modernismo, atuantes e prestigiados à época. O olhar da artista era sedimentado e complexo, não se atendo às recepções mais comuns naqueles anos e à insistência nos detalhes biográficos da artista – trabalhadora de costura, na lavoura de café, em pensão carioca etc.

“Sou autodidata, meu ponto de partida fui eu mesma, tudo muito difícil, sozinha a abrir caminho. Com minhas limitações, vou suportando sacrifícios para dar uma parcela de contribuição para cumprir com meu dever”, diz ela, em depoimento sem data. “Sem cuidados formais não há obra de arte, é necessário critério com o desenho, a composição, a cor. Sou fundamentalmente humana e formalista.”

 

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Djanira no ateliê da rua Almirante Alexandrino, Santa Teresa, Déc. 60

© Arquivo Ligia Canongia, foto de Wilton Montenegro

 

Djanira nasceu no interior de SP numa família trabalhadora, sem luxos. Por problemas de saúde, foi morar no Rio, onde, no bairro de Santa Teresa, mantém contato com artistas que se tornariam importantes, como Tadashi Kaminagai (1899-1982) e Milton Dacosta (1915-1988). Desde os anos 1940, já havia originalidade na sua produção visual, como provam dois Autorretratos, de 1944, e Sala de Leitura, também do mesmo ano, em que os arcos de sua casa no subúrbio de Brás de Pina, a diversa configuração de todos os planos e as roupas dos personagens, entre outros elementos, revelam forte habilidade pictórica.

Duas séries apresentadas na mostra também são pouco lembradas na trajetória da artista. Dos anos 1970, as telas Trabalhadores de Cal (1974) e Mina de Ferro, Itabira, MG (1976) trazem um peso para sua faceta mais social, sem, no entanto, descuidar-se dos elementos formais da pintura. E da década de 1960 são importantes os quadros que registram o cotidiano dos canelas, no Maranhão, uma perspectiva não idealizada das comunidades indígenas, como fazem as telas Tocador de Sanfona (1960) e Ritual da Puberdade (1962). Suas séries sobre jogos populares, religiões afro-brasileiras e a arquitetura de cidades históricas também são memoráveis.

A Galeria de Arte André possui uma bela tela de Djanira, Sobrado Ouvidor-Mor, de 1977, obra de maturidade da artista.

 

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Sobrado Ouvidor-Mor, Djanira - 1977

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Galeria de Arte André
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