Um olhar sobre o mundo da arte em 2020

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O ano de 2020 começou com as notícias alarmantes do covid-19 e a decorrente pandemia que se seguiu em âmbito mundial colocou o globo em compasso de espera pelas vacinas. Na arte contemporânea, galerias se preparavam para a Arco Madri e a SP Arte.

Foi logo após o Carnaval que tudo mudou, Europa e Ásia à frente. O circuito das artes visuais  trabalhou nas modalidades on-line, mas todas as atividades preenciais foram canceladas. Assim como todas as grandes feiras de arte, a SP Arte também foi cancelada  acarretando prejuízos.

Paradoxalmente às perdas do setor no segundo trimestre, o fato é que o consumo de arte, no sentido amplo, aumentou durante a pandemia.  Estudo realizado pelo Datafolha e Itaú Cultural 54% declararam que as atividades culturais na web ajudaram a diminuir a sensação de solidão e 45% apontaram redução do estresse e da ansiedade. Plataformas de conteúdo do mundo inteiro abriram para manter as pessoas em casa. O Google Arts colocou dentro da casa das pessoas os principais museus do mundo. Todos agora puderam apreciar séculos de criação visual humana com um clique. No entanto os artistas em geral amargaram duras perdas econômicas, sem teatro, cinema, museus e exposições, centenas de profissionais que trabalham com arte perderam emprego e renda. A política cultural do governo que já não era das mais robustas apresentou-se falida no que tange proteger a cultura.

A produção artística foi impactada pelos fenômenos pandêmicos. Isolamento, redimensionamento do espaço, solidão, perdas, exploração do cotidiano doméstico foram temáticas utilizadas na criação dos artistas.

 

Para o artista Leopoldo Martins o momento foi de produtividade

 

“No começo quando recebi a notícia do lockdown fiquei um pouco ansioso, pensei que iria sentir um baque ou bloqueio. Acredito aconteceu o oposto criei mais e trabalhei muito. Desenvolvi trabalhos novos, estou feliz com os resultados.” Leopoldo Martins, artista

 

O artista Cherbeluka, destaca mudanças positivas de comportamento “Este período fez com que as pessoas dessem mais valor a detalhes que eram passados desapercebidos na correria do dia a dia. Aquele pedaço vazio da parede passou a importar,  Aquele livro na estante acabou sendo um companheiro e aquela música que estava naquele cd no fundo da gaveta voltou a fazer parte do dia a dia das pessoas,  trazendo mais beleza, tranquilidade e paz para quem estava em isolamento." afirma o artista. 

 

O fotógrafo Alexandre Suplicy registrou paisagens impressionantes da capital paulista em um momento único
 

Quinze artistas urbanos, pintaram frases na madrugada do dia 12 de Abril

 

Mercado

No mundo das artes plásticas acompanhamos a explosão das exposições on-line em “viewing room”, passamos a receber convites das galerias para acompanhar as exposições virtualmente. As feiras também adotaram o formato. Realizada pela ABACT, a feira Not Canceled, reuniu 57 galerias de junho a setembro,  a SP Arte também foi realizada totalmente on-line no mês de agosto. Curadores e artistas realizaram inúmeras lives no Instagram, aproximando-se de seus públicos virtualmente. 

As feiras internacionais ainda não voltaram ao que era antes, a maioria está em modo virtual. A exceção veio com a tradicional  exposição de esculturas da Frieze Sculpture  realizada ao ar livre em Nova Iorque e Londres. No Brasil, a ArtRio foi realizada presencialmente, menor do que nos últimos anos.

Uma pesquisa para avaliar o impacto da pandemia no mercado da arte contemporânea foi realizado pela Associação Brasileira de Arte Contemporânea – ABACT através do Projeto Latitude em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos – Apex-Brasil. Foram entrevistados 78 agentes do mercado de arte – em sua maioria galerias - do Brasil, Argentina, Chile e Colômbia. A pesquisa aponta que no Brasil houve melhoria e ampliação da presença digital.

Infográfico da pesquisa do Projeto Latitude

 

“Além da participação em feiras online, as ações mais citadas foram: renovação do site, investimento em novos conteúdos digitais, maior presença em plataformas digitais, participação em marketplaces, desenvolvimento de viewing rooms e um maior investimento e atenção às mídias sociais, além do contato mais próximo e direto com colecionadores via whatsapp, telefone e email.” (Projeto Latitude)

 

A pesquisa também indica que embora tenha ocorrido uma queda negativa no segundo trimestre em comparação ao mesmo período em 2019 para 56% dos entrevistado, no terceiro trimestre o movimento recuperou  para 55% deles.

Os museus e exposições foram os últimos a reabrir, por outro lado as pessoas prestaram mais atenção ao ambiente doméstico, redecorando suas casas e investindo em arte. Uma pesquisa realizada pela OLX  apontou um aumento de 187% nas procuras por quadros, telas e pinturas, logo atrás da procura por vasos que cresceu 201%. Embora a crise tenha retirado alguns compradores do mercado, o fato é que novos públicos passaram a se interessar por arte.

A artista Sonia Menna Barreto afirma que houveram mudanças definitivas na relação do artista com colecionadores e compradores, “A minha percepção é de uma mudança radical de comportamento dos colecionadores/compradores que passaram a interagir diretamente com os artistas através dos canais de comunicação virtual, mais especificamente Instagram e whatsapp. Esse novo comportamento exigiu da parte dos artistas uma comunicação ágil e constante na informação sobre a sua produção, com imagens e vídeos informativos, já que no início as galerias estavam fechadas. Para os artistas que souberam agir rapidamente e foram pró-ativos, vi um desenvolvimento e progresso fantástico e uma mudança definitiva na relação artista colecionador/comprador.”

De acordo com matéria na IstoÉ Dinheiro, casas de leilão realizaram mais edições e com maior número de vendas, mesmo que em formato digital. As galerias entraram para o mundo não físico definitivamente. Quem ainda resistia ao formato antigo teve de se adaptar. Aos poucos, o mercado de arte reaquece, trazendo consigo algumas mudanças.

 

Perspectivas

Os dados levantados pela pesquisa do Projeto Latitude apontam para um cenário mais positivo do que os trazidos por pesquisas realizadas em outros contextos, como França (Comité Professionnel des Galeries d’Art), Estados Unidos (American Art Dealers Association of America), lançados logo no início da pandemia, e também em relação ao relatório mais recente da Art Basel/UBS sobre o impacto da COVID-19 no setor de galerias (The Impact of COVID19 on the Gallery Sector), divulgado em setembro de 2020. No período da pesquisa afirma-se que a previsão é de que, se não houverem políticas públicas, 1/3 das galerias francesas pode fechar. Nos Estados Unidos também a perspectiva era de que 33% dos entrevistados não tinha perspectiva de resistir a crise.

O relatório norte-americano indica também que as galerias mantiveram 85% dos empregos formais a tempo completo, mas que houve uma redução de 73% na mão de obra terceirizada, que representa a maior parte dos empregos no setor. No Brasil, Argentina, Chile e Colômbia, foi observada uma estabilidade nos empregos formais e uma maior retenção dos contratos terceirizados, em comparação aos Estados Unidos. A pesquisa também aponta um pequeno crescimento no número de artistas representados nos países da América do Sul.

No mercado de arte vimos transformações que já estavam em curso nos últimos anos entrarem disruptivamente para o cotidiano dos profissionais do meio. Mudanças norteadas pela tecnologia, novas formas de compartilhamento, colaborações e novas considerações sobre preço e valor.  Mais pessoas intrigadas com o poder da arte, estudando apurando o gosto e adquirindo trabalhos. 

Assim o mundo em geral não é mais o mesmo, a arte também mudou. E com ela aparecem as reverberações de anseios subjetivos, mas nunca de uma forma tão óbvia. Vemos sinais de um mundo novo através da presença de questões raciais, migratórias e de gênero, mais fortes que nunca na arte contemporânea mundial. E aqui no Brasil encerramos o ano com exposições marcantes, ingressos esgotados e museus lotados. O colorido dos Gêmeos, Beatriz Milhazes e Hélio Oiticica, trazem energia para o fim de um ano com tantos episódios obscuros. Um mundo com mais arte é um mundo consequentemente mais sensível, com mais significação e alteridade.

Por um 2021, pleno, renovado e melhor!

 

Ana Maria Lima é jornalista, fotógrafa e assessora de comunicação da Galeria André

 

Fontes: 

https://veja.abril.com.br/blog/veja-gente/cancelada-sp-arte-arca-com-prejuizos-e-devolve-100-do-valor-a-galeristas/

https://www.itaucultural.org.br/secoes/noticias/datafolha-lancam-pesquisa-sobre-habitos-culturais

https://harpersbazaar.uol.com.br/bazaar-art/sp-arte-viewing-romm-a-versao-totalmente-digital/

http://abact.com.br/blog/feira-online-not-cancelled-brazil/

https://www.hypeness.com.br/2020/06/museu-do-isolamento-reune-obras-de-arte-visuais-que-nasceram-durante-a-pandemia/

https://mercadoeconsumo.com.br/2020/09/02/a-ressignificacao-do-lar-impulsiona-o-varejo-de-casa-e-decoracao/

https://www.istoedinheiro.com.br/isolamento-com-arte/

 

 

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