Tridimensional de Stockinger, Giorgi e Becheroni não deixa de surpreender
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Na história do tridimensional brasileiro, certamente não escapam os nomes de Xico Stockinger, Bruno Giorgi e Elvio Becheroni. Artistas com trânsito também por outras linguagens, no entanto, a habilidade e a consistência da produção no suporte foi o que tornaram marcantes nesse recorte nacional. Exposições, eventos e livros relembram a importância deles na visualidade realizada por aqui.
"Meteoro" de Bruno Giorgi, exposta em frente ao Palácio Itamaraty
Xico Stockinger (1919-2009) ficou conhecido pela excelência da produção escultórica e da identificação com o sul do país, mas trajetória e obra podem surpreender. A infância no interior de São Paulo e seus trabalhos de charge e gravura, por exemplo, são pontos pouco abordados na biografia. Atualmente, o público de SP pode ter acesso à sua obra na coletiva Acervo Aberto, no MAC-USP (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo), que segue em cartaz até maio.
Touro, Francisco Stockinger - bronze e madeira
Francisco Alexandre Stockinger nasceu em Traun, Áustria, e veio para Santo Anastácio (a 600 km da capital paulista), região de Presidente Prudente, SP, em 1921, com o pai, Franz, a mãe, Ethel, e sua irmã, cinco anos mais velha. Eles se radicam fugindo da crise econômica que assola a Europa e vão viver num meio rural e severo. "Onde fomos parar era o fim do mundo (...) Era a colônia brutal", conta ele em entrevista a Marcos Faerman (1943-1999), em livro sobre a sua obra, publicado no ano de 1987.
Em 1929, muda-se para São Paulo junto da mãe e estuda no Colégio Mackenzie, onde tem aulas de desenho com Anita Malfatti (1889-1964). O fascínio pela aviação o leva ao Rio de Janeiro, em 1937, onde ingressa no Aeroclube do Brasil e na Navegação Aérea Brasileira. Faz graduação em meteorologia, dois anos mais tarde. A introdução às artes vem com a assistência a Bruno Giorgi (1905-1993), de 1947 a 1950.
Exposição comemorativa realizada em 2019 no Museu de Arte do Rio Grande do Sul
Trabalha como ilustrador, caricaturista e chargista para veículos como Suplemento Juvenil, Contos Magazine, Diário Carioca, Última Hora e A Hora, jornal responsável por, em 1954, o artista mudar-se para Porto Alegre, onde residiria até falecer. Na capital gaúcha, desenvolve a sua produção de gravuras, em especial a xilogravura. "Sua mudança para Porto Alegre, sem ateliê de escultura, e um maior produção gráfica como ilustrador fariam dele definitivamente um gravador", avalia Grassmann, amigo de toda a vida, sublinhando a influência de Oswaldo Goeldi (1895-1961) sobre tais séries gráficas.
No tridimensional, robusta parte de sua produção se vincula à estética expressionista, utilizando especialmente o metal. A partir dos anos 70, materiais como o granito e o mármore vão provocando na feitura das peças preocupações formais que fogem da figuração. Obras públicas vão sendo encomendadas, em especial no Estado onde mora, e ajudam a fazer de Stockinger um nome incontornável na escultura brasileira.
Mulher, Stockinger - bronze
Bruno Giorgi é nome fulcral para a identidade moderna do tridimensional no país. Muito disso vem da forte presença de Meteoro (1967), no Itamaraty, sede da diplomacia brasileira, em Brasília. Outra obra pública de vulto é Monumento à Juventude Brasileira (1947), nos jardins do Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, uma das joias do modernismo em arquitetura não apenas do país.
Torso de Mulher, Bruno Giorgi - bronze polido
Uma boa notícia foi a entrega de O Flautista (década 1950), de Giorgi, completamente recuperada para as dependências do Palácio do Planalto, sede da Presidência da República, após a peça ser completamente vandalizada por extremistas em 8 de janeiro de 2023. Dois anos depois, a escultura pode ser novamente contemplada em toda sua integridade.
"O Flautista", obra de Bruno Giorgi exposta no Palácio do Planalto
A obra do italiano Elvio Becheroni (1934-2000) se notabilizou pela robusta produção tridimensional. Contudo, a faceta gráfica pode se revelar tão interessante quanto o lado escultórico, mais conhecido. Explorando cores e formas, tanto por aspectos de estilo mais ligados ao geométrico ou ao orgânico, as serigrafias trazem uma grande liberdade de realização e um frescor, uma liberdade nessas peças ‘de câmara’, mais intimistas.
Asa di Speranza, Becheroni - serigrafia
Recentemente, a exposição coletiva Farsa, no Sesc Pompeia, em SP, apresentou trabalho entre instalação, performance e fotografia de Becheroni com Gretta Sarfaty, sua companheira à época (início dos anos 1980). Com curadoria de Marta Mestre e Pollyana Quintella, nos anos de 2020-21, serviu para exibir um lado mais experimental do artista ítalo-brasileiro.
https://www.youtube.com/watch?v=sB09gM5DGPk
Trabalho de Gretta Sarfaty com Elvio Becheroni
“Questão de dimensões, de confronto entre duas noções irreconciliáveis: o finito e o infinito. Confusão espaço-tempo, impossível união do relativo e do absoluto, incompreensível viuvez glacial do espaço, terreno de jogo para galáxias à deriva. A vertigem toma conta do homem Becheroni, que para lutar contra a ausência de peso esforça-se para construir pontos de apoio, antes de ser absorvido pelo vazio sem fim”, escreve em 1969 o crítico George Peillex.
Animale Indicatore, Becheroni - madeira sucupira
Fotos
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